A
leitura dinâmica de um escritor finalista do prêmio Man Booker – com a ajuda de
um aplicativo chamado Spritz – foi uma eletrizante viagem que me deixou em
agonia
Semana
passada, decidi tentar um experimento. Precisamente ao meio dia, eu sentei no
meu sofá para ver se eu conseguiria ler uma obra de um dos finalistas do prêmio
supracitado antes do café da tarde.
Não
foi tão simples quanto parece. O livro que eu escolhi foi “To Rise Again at a
Decent Hour”, de Joshua Ferris (sem tradução para a língua portuguesa), cerca
de 110 mil palavras, nada muito extenso, mas levando-se em conta o fato de que
um adulto lê uma média de 250 a 300 palavras por minuto (De acordo com este
estudo: aqui!), a leitura seria concluída dentro de, pelo menos, seis horas. E
isso sem levar em consideração a densidade do seu enredo: um dentista de
Manhattan em plena crise religiosa após um grupo religioso roubar a sua
identidade. Obviamente, a ideia de lê-lo até as três ou quatro horas da tarde
seria, no mínimo, ambiciosa.
Para
me ajudar ao longo da leitura, contei com o ajuda do Spritz. Desenvolvido por
uma companhia de Boston com o mesmo nome, trata-se uma ferramenta extra para
e-readers que objetiva te fazer ler até mil palavras por minuto (ppm), uma
rapidez comparável às leituras dinâmicas. A tecnologia por trás do Spritz é
fascinante. Os seus criadores afirmam que cada palavra que lemos possui o que é
conhecido como ponto ótimo de reconhecimento. Processe-o e você terá o
significado da palavra muito mais rápido. Com o Spritz em funcionamento, cada
palavra possuirá uma letra destacada em vermelho. As palavras são exibidas em
tamanho grande na sua tela, aparecendo em rápida sucessão de acordo com a
velocidade que você programar. Ele está em desenvolvimento há algum tempo, mas
recentemente foi disponibilizado para celulares iOS e Android (ou, pelo menos,
o Samsung S5 e o Gear 2).
O
protagonista do romance, Paul O’Rourke, é um ousado tecnofóbico. O homem se
orgulha de sua aversão à tecnologia, se recusa a ter um perfil no Facebook e nutre
uma imensa desconfiança pelo Google. Logo, ler a sua história num iphone e
usando um aplicativo de leitura dinâmica foi uma experiência um tanto quanto
perversa.
De
imediato, percebe-se que o Spritz muitíssimo bem. O grande problema da leitura
dinâmica está na compreensão: Anne Jones, vencedora por seis vezes de uma
competição de leitura dinâmica, ganhou uma disputa em 2001 com 2246 ppm e uma
taxa de 60% de compreensão do conteúdo lido. Com o Spritz, isso não é problema.
Iniciei “To Rise Again at a Decent Hour” com leves 350 ppm. Consegui terminá-lo
com com nada menos que 650 ppm, e entendendo tudo.
Ferris
é um escritor provocador, mas ele possui uma leve tendência a desviar-se para
digressões sobre doutrinas religiosas, filosofando sobre a hostilidade de
O’Rourke. De novo, nada demais: eu estava retendo tudo. E quando meu alarme
apitou, eu já havia consigo chegar a 650 ppm.
Isso
não significa dizer que o Spritz não tenha problemas. Os diálogos ficam
confusos. Leia com ele um livro de Elmore Leonard ou George Pelecanos e você
perderá o fio da meada em poucos minutos. O aplicativo possui sérias
dificuldades com palavras repetidas. Num momento, O’Rourke está refletindo
sobre os lazeres fúteis de New York, divagando a respeito de como poderia ir
até um bar e “bebia Pinot até que a adoração à Billie Holiday saturou a minha
alma e eu fiquei bêbado, bêbado, bêbado.” Quando o Spritz tentou mostrar essas
três últimas palavras, o texto na tela parou temporariamente, pois exibia
palavras idênticas com vírgulas após elas. Por um momento, o aplicativo pareceu
bastante confuso, como se ele também tivesse tomado mais Pinot do que deveria.
Lá
pelas três horas da tarde, eu estava começando a ficar incomodado. Eu
continuava retendo tudo, mas em agonia. O Spritz demanda total concentração,
principalmente ao ler em velocidades mais elevadas. Distraia-se por um segundo
quando estiver beirando a 750 ppm e você perderá onze palavras – confie em mim,
quando O’Rourke estiver investigando por que um grupo religioso de Ulm está utilizando
o Twitter e Facebook em seu nome, você não vai querer perder nenhuma delas
sequer. Meus olhos estavam doendo, meus dedos estavam enrijecidos em volta do
iphone e, sempre que eu tentava fazer algumas pausas, meu pescoço perguntava
pontualmente por que eu estava fazendo isso com ele.
Li
o último quarto livro como que num teimoso estupor. O’Rourke havia terminado
sua jornada em Israel e já era um homem muito diferente e eu tinha a sensação
de ter caminhado todo esse tempo com ele – e não num bom sentido. Acrescentando
as pausas à conta, o tempo total de leitura foi de quatro horas e 13 minutos.
Spritz
é uma ferramenta fantástica, mas ainda não está pronta para ser usada na
leitura de romances. Ler um livro – especialmente um complexo como esse de Ferris
– não é somente uma questão de rapidez e compreensão. O Spritz não permite que
você se estenda. Não foi possível parar para respirar durante os diálogos
sofisticados de “To Rise Again at a Decent Hour”. Até o presente momento, ler
uma ficção no Spritz é como ir de monociclo de Shepherd’s Bush a Brick Lane: é
perfeitamente possível, no entanto você pode utilizar de meios mais prazerosos
e lógicos para fazê-lo.
Se
a ideia é utilizar o Spritz para ler romances, então a sua tecnologia precisa
ser capaz de lidar com escritas mais elaboradas, dessas que contêm uma
infinidade de nuances. Até agora, ele só é compatível com programas de leitura
de segunda categoria (eu utilizei o “ReadMe!”, com um imenso ponto de
exclamação). Ibooks, Kindle e Nook devem aderi-lo com o tempo. Para arquivos
mais curtos ou leituras que você deve fazer às pressas, o Spritz é uma
excelente e maravilhosa tecnologia. Mas ainda levará um bom tempo até que ele
de fato modifique os hábitos de leitura das pessoas.
PS:
O presente texto é um artigo de opinião escrito por Rob Bafford e publicado no
site The Guardian, não contendo necessariamente a opinião da equipe do
Literatortura.
Traduzido
por Pedro Lima/ Traduzido de: “TheGuardian”
Revisado
por: Pedro Dalboni.
Fonte:
Literatortura
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