A infância segundo Drummond

Coletânea reúne textos do grande poeta da Literatura Brasileira sobre os tempos de criança

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Um banho quente de bacia, as aulas de português com o professor Carlos Góis, as brincadeiras na rua interrompidas pelo grito que vem da janela – “é tarde” -, os furtos de jabuticaba do pé alheio, enfim, os doces prazeres e aflições da infância vivida em Itabira, em Minas Gerais.
A coletânea Vou crescer assim mesmo traz alguns dos mais emblemáticos poemas de Carlos Drummond de Andrade sobre seus tempos de criança passados entre fazendas, mato, animais, casas e a vida vagarosa e bucólica do interior mineiro.
A obra integra a coleção Lembrete, que se propõe a despertar o gosto pela leitura de crianças com idade entre 9 e 13 anos com o melhor da Literatura Brasileira. As ilustrações são da curitibana Ale Kalko e dão um colorido e ritmo especial para as rimas, métricas e metáforas do poeta.
O livro é uma oportunidade para apresentar aos pequenos leitores a obra drummondiana e todo seu lirismo. Para os adultos, um convite a reviver as memórias da infância, época em que recebemos as boas-vindas do mundo, vivemos descobertas e aventuras que influenciam o resto das nossas vidas. Nas palavras do próprio Drummond: “E eu não sabia que minha história era mais bonita que a de Robinson Crusoé”
Vou crescer assim mesmo: poemas sobre a infância
Autor: Carlos Drummond de Andrade
Ilustração: Ale Kalko
Companhia das Letrinhas, 2016


Fonte: http://bit.ly/1Vxi7vO

Publicar o primeiro livro é um desafio para um escritor estreante, e em tempos de recessão econômica pode se tornar uma missão impossível. Esse teria sido o destino da escritora Martha Batalha, não fosse por um detalhe: "A Vida Invisível de Eurídice Gusmão", sua primeira obra, chamou a atenção de diversas editoras no exterior e teve os direitos comprados para o cinema. Tudo isso antes mesmo de ser publicado no Brasil, onde foi recusado pelos grandes grupos editoriais até ser adquirido pela pequena Companhia Editora Nacional e, mais tarde, passar à Companhia das Letras, que acaba de enviá-lo às livrarias.

"O livro demorou muito tempo para ser aceito no mercado brasileiro. E acho que a culpa não foi do mercado. No ano passado, como esse ano também, o mercado editorial estava em uma super-crise. A maior parte das editoras não estava aceitando novos autores, estava todo mundo tentando se segurar", conta ela, explicando que o corte de gastos do governo teve um grande impacto nas editoras, que têm no poder público um de seus maiores compradores.

Martha, 42, fala com conhecimento de causa: jornalista, ela abandonou as redações em 2003 para fundar a editora Desiderata, responsável por publicar a antologia do jornal satírico "Pasquim" e os livros de seus antigos colaboradores, como Millôr Fernandes, Jaguar e Ivan Lessa. No final de 2007, a editora foi vendida para o grupo Ediouro e Martha mudou-se para os Estados Unidos para cursar um mestrado em editoração e recomeçar a vida ao lado do atual marido, porto-riquenho.

Seu sucesso contou com a ajuda de outra profissional experiente, a agente Luciana Villas-Boas, da Villas-Boas & Moss, nome de peso na representação de autores brasileiros. Em meio à rejeição das editoras nacionais, foi ela quem começou a oferecer o livro para casas estrangeiras e fechou o primeiro negócio com a alemã Sührkamp, que fez uma proposta acima do valor de mercado para evitar que o livro fosse a leilão (prática conhecida no mercado editorial como "pre-empt offer"). Em outubro de 2015, veio a Feira do Livro de Frankfurt, e o interesse internacional aumentou: até agora, "A Vida Invisível de Eurídice Gusmão" já foi vendido para dez países, incluindo Alemanha, Itália, Portugal, França e Holanda.

Cinema

Antes de Frankfurt, Luciana também já havia conseguido um contrato de adaptação para o cinema. Ela ligou para o produtor Rodrigo Teixeira, um dos expoentes do cinema nacional, conhecido por seu grande interesse em adaptar livros para as telas, e disse que tinha uma obra especial para ele avaliar. Rodrigo leu, se interessou e a adaptação já está em desenvolvimento, com direção de Karim Aïnouz ("Praia do Futuro") e filmagens previstas para o início de 2017.

"O livro me interessou porque é muito próximo a situações que eu conheço", conta o produtor. Com a trama estendendo-se dos anos 1940 ao início dos anos 1960, "A Vida Invisível de Eurídice Gusmão" narra as histórias de duas irmãs de classe média no Rio de Janeiro, Eurídice e Guida, em meio às condições adversas que a sociedade reservava às mulheres na época.

"Eu vi mulheres muito parecidas com elas. Tias, avós, pessoas próximas à minha mãe, que tiveram realidades similares ao que essas mulheres viveram", completa Rodrigo. Sobre a escolha de Karim, ele diz que, assim como ele próprio, o cineasta viveu em uma família de mulheres e se "sensibiliza mais com esse tema da condição da mulher". "Foi uma coincidência até trágica, porque a mãe dele vinha de uma fase muito doente, ele leu esse livro, se apaixonou por ele, e a mãe dele morreu logo depois", conta.

Reviravoltas

Em meio às reviravoltas, o livro acabou também mudando de mãos no Brasil. "A editora que estava trabalhando comigo [na Companhia Editora Nacional] foi demitida, também por causa da crise. Aí eu conversei com a Luciana e disse que não tinha segurança para continuar lá", conta Martha.

A esta altura, a carreira internacional do livro já havia chamado a atenção da Companhia das Letras. "Eu me interessei ouvindo o resumo entusiasmado da Luciana Villas-Boas, e especialmente pela temática feminista", conta Sofia Mariutti, editora do livro na Companhia das Letras. "Acho que o livro chama a atenção por ter uma estrutura tão sólida, e também por trazer algumas curiosidades e reconstruir a história do Brasil do fim do século 19 e do começo do 20", acredita.

Para Martha, este também foi um dos motivos que fez com que tantas editoras internacionais se interessassem por seu trabalho. "Quando eu procurei a Luciana para me representar, disse que queria muito ser lida no Brasil. E a maior das ironias foi que eu fiz uma história que é absolutamente local, e que está fascinando os editores estrangeiros. Acho que justamente porque eles têm muita curiosidade de saber como é o local no Brasil, como é o dia a dia aqui", acredita a escritora. "Mas em momento nenhum escrevi essa história pensando no público estrangeiro".

Feminismo

Além do retrato de um Rio de Janeiro de outra época, uma das características mais marcantes do livro de Martha é um sutil ponto de vista feminista, que desde as primeiras páginas aponta com ironia e humor como a mulher era (e continua sendo) submetida a condições absurdas, independentemente da situação econômica.

"Eu sou uma pessoa muito indignada com todas as injustiças --do Brasil, do dia a dia, de classe social, de tudo. Quando fui escrever, entendi que tinha que escrever sobre as injustiças que eu mais conhecia, que é essa injustiça que a gente vê acontecer o tempo todo e às vezes nem percebe, essa questão das mulheres. Eu sou uma mulher de classe média, de uma família tradicional do Rio de Janeiro, da Tijuca. Essa é a minha perspectiva, acho que tenho que escrever sobre essas coisas.", explica a autora.

A editora do livro, Sofia Mariutti, também ressalta esta característica da obra. "O livro bateu na porta no momento perfeito, com as narrativas feministas ganhando tanta força no Brasil", diz. "Acho que ainda falta olhar para a nossa história e recriá-la com o olhar das mulheres de hoje. A Martha foi atrás de pesquisar e recriar as histórias das nossas avós. Não eram tantas que escreviam naquela época e que podiam contar sua versão das coisas, então é quase um dever das mulheres de hoje recontar essas histórias".

Segundo Martha, a ideia para o livro, além de inspirada por histórias de sua família, veio de uma hipótese: "Fiquei imaginando o que aconteceria com uma mulher brilhante se ela nascesse nesse tempo e nesse lugar. Na verdade, é algo que aconteceu muito, de você ter mulheres perfeitamente capazes e com energia para produzir e que não puderam se realizar naquela época". É o caso de Eurídice, mulher inteligentíssima confinada em um casamento que não é mau, mas também não lhe permite realizar suas aspirações --sejam elas na cozinha, na costura ou na literatura. 

Essa hipótese levantada por Martha liga "A Vida Invisível de Eurídice Gusmão" a uma linhagem de escritoras que trataram da mesma questão no passado, de Virginia Woolf e Clarice Lispector a, mais recentemente, a italiana Elena Ferrante. Mas essas são apenas algumas das influências de Martha. "O que Virginia Woolf fala sobre as mulheres na literatura [no livro 'Um Teto Todo Seu'] é um clássico. Mas a Elena Ferrante eu li depois que meu livro estava pronto e fiquei impressionada com como as histórias se parecem. Mas como influência, em termos de estilo, acho que tem muito do Gabriel García Marquez, essa coisa de ter muitas histórias para contar. E tem outros autores que me influenciaram muito nos últimos anos, como o Jonathan Franzen --pelo pragmatismo dele de escrever--, a Alice Munro, a Jhumpa Lahiri... A trajetória das duas irmãs no livro tem muito de 'Razão e Sensibilidade', da Jane Austen".

O livro de Martha chega em um momento em que o mercado editorial parece se abrir para tirar a literatura feita por e sobre mulheres do nicho em que a havia colocado, vendendo apenas os autores homens como "universais". Exemplo disso são os dois prêmios Nobel concedidos a mulheres nos últimos três anos --Alice Munro e Svetlana Alexievich. No Brasil, A Flip, principal evento literário do país, terá novamente uma mulher homenageada depois de 11 anos --a poeta Ana Cristina César.

"É uma injustiça danada. Philip Roth é universal, Paul Auster é universal, mas Elena Ferrante escreve para mulher", aponta Martha. "Se você for ver, o número de mulheres que ganharam o prêmio Nobel é mínimo. Acho que o mercado é muito masculino nesse sentido. Mas uma coisa é certa: a maioria dos leitores é mulher, no Brasil e no mundo todo. Acredito que o tempo vai colocar todo mundo no lugar certo. Acho que está mudando".

Sofia Mariutti concorda. "Esse movimento não é organizado, mas é inevitável. As editoras se atentam aos temas que estão movimentando as pessoas, então não dá mais para fugir do feminismo. E o nosso papel nessa hora como mulheres é usar o nosso crivo para filtrar o que tem de bom. Eu tenho lido quase só livros de mulheres, mas isso não quer dizer que só por ser mulher ou ter mulher como protagonista vai ser publicada, precisa ter excelência", opina.

Rodrigo Teixeira também acredita que há espaço para histórias sobre mulheres no cinema, coisa que a indústria americana já explora há algum tempo, com filmes como "As Horas", "Tomates Verdes Fritos", "Thelma & Louise", "Carol" etc. "Tanto tem espaço que esses filmes todos tiveram alguma representatividade no Brasil. Acho que existe uma preguiça muito grande de se apostar em novos gêneros no Brasil, falta investir em outros caminhos, e esse é um caminho que eu acredito. No cinema americano foi um super-sucesso. É só ter coragem de pegar essa história para acontecer", conclui.

Enquanto a adaptação cinematográfica de "A Vida Invisível de Eurídice Gusmão" não sai, Martha já está finalizando um segundo livro, que também deve ter uma pitada de feminismo. "São cem anos de uma família que mora em Ipanema, e na verdade é uma metáfora para a classe média brasileira. O livro começa com a construção de um castelo que de fato foi construído em Ipanema em 1904, e o que acontecia nesse castelo", conta. "E também tem uma empregada que tem uma relação interessante com a protagonista. Porque, se você vai escrever literatura e quer que o público brasileiro se identifique, você tem que falar sobre a questão das empregadas domésticas, sobre esse tipo de coisa".


Um minuto de silêncio, pela morte dos e-books


Quando falamos em crescimento ou queda do livro digital, estamos falando em crescimento ou queda dos índices de leitura. Portanto, não é um dado que possamos torcer contra.

Camila Cabete

Há alguns dias tive acesso a alguns textos a respeito do quão mal vinham as vendas de livros digitais e me vi na obrigação de escrever esta coluna para esclarecer algumas coisas. Então, o título desta coluna é uma mentira, e eu escrevi somente para chamar a atenção dos menos simpáticos ao tema. Estou dando a oportunidade de pararem de ler aqui, logo no início. Agora, mesmo não sendo simpático ao digital, convido que leia e pense a respeito.

Se você resolveu continuar, vamos ao que interessa...

O mercado do livro é um mercado relativamente unido, pois falamos de um mercado onde não gira tanto dinheiro, meio intelectual e de certa forma todo mundo se entende.

No entanto, fiquei horrorizada ao perceber a polarização que um artigo gerou no começo dessa semana. A matéria, publicada pela Folha, falava sobre a estagnação ou até queda no mercado de e-books nos EUA. Pude ver, incrédula, que profissionais do livro comemoraram a decadência (relativa) de um formato de leitura. E olha que o texto se referia a uma só loja e a uma só análise, mas o que senti nas redes sociais foi mais um Fla x Flu no qual, de um dos lados do campo, estava o formato digital. Será que fui tendenciosa na minha análise? Será que entendi errado?

Isso me assusta... É como uma empresa que torce contra seu próprio produto. Tipo, torcendo para não vender, torcendo para o seu conteúdo dar errado, torcendo para um (dos inúmeros formatos) "encalharem". Esquecendo completamente que livro é conteúdo, e que o formato digital é uma forma de chegar em todos os lugares (estamos falando de Brasil: logística muitas vezes ineficiente, dimensões continentais e índices vergonhosos de leitura, certo?).

E mais... Quando falamos em crescimento ou queda do livro digital, estamos falando em crescimento ou queda dos índices de leitura. Portanto, não é um dado que possamos torcer contra, concordam?

Então a onda é polarizar? Desculpe o termo, mas me nego a embarcar nesta onda burra. Para mim, isso é burrice, descaso e conservadorismo. E outra: estamos falando de gente que lê e que deveria fazer uma análise mais crítica do texto, para saber do que realmente ele trata. A impressão que tenho é que algumas pessoas leram apenas a manchete... Só pode. Me nego a acreditar que, lendo criticamente o texto, continuassem tendo a mesma opinião.

Chega de me queixar. Vamos falar em termos práticos. Na minha visão, na visão de quem trabalha na Kobo, o digital cresceu ano passado no Brasil menos do que gostaríamos. Por outro lado, o livro de papel caiu, e caiu bastante. O que vejo com pesar imenso, mesmo eu sendo profissional do livro digital.

Não posso dar dados concretos porque são dados coletados dos meus clientes, que são as principais editoras do Brasil e do mundo. Mas como se trata de uma coluna, só posso contar que acreditem em mim. Estou falando também de minha percepção de mercado.

Estes dados poderiam estar ainda melhores se parássemos de separar o conteúdo do formato e fôssemos mais racionais ao falar disso.

O autor (o bom autor) quer ser lido e os formatos digitais são algo inimaginavelmente gratificantes para ele (o bom autor) que quer ser lido em qualquer lugar, mesmo nas cidades onde não existem livrarias. Captou? Seu livro, a qualquer hora, em qualquer lugar do mundo? Será que isto está claro para os profissionais do livro? Não acho que esteja e volto para reativar a coluna e reacender a discussão.

O lado bom, foi que vi novamente a utilidade do excelente canal de comunicação que tenho aqui. Me vi novamente lutando pelo meu ideal, que não é somente ligado a um formato, mas à democratização da leitura. A coluna renasce das cinzas, pois por um breve momento achei que tinha dado a cabo o meu dever... só que não.

Muito ainda temos a andar, muito ainda a desmistificar o formato digital; e muito a despolarizar. Precisamos entender melhor o mercado e distribuir bem as ações, evitando assim, ficar nas mãos de uma livraria somente, precisamos pensar em marketing para o formato digital, precisamos de criatividade.

Editor, se o formato digital não está indo bem, você é parte disso. Não comemoraria um fracasso. Mas a boa notícia é que pelo menos, estamos segurando a onda das perdas do impresso. E também não vou comemorar isso. Não há o que se comemorar nestes dias, não é?

PS: agora vc vê... até e-books têm haters =/

A educação do olhar feita pelos livros infantis

Os bons livros não são aqueles escritos para uma criança idealizada ou idílica, mas produzidos para surpreender


Por Denise Guilherme Viotto 
A função da arte 1
Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar.
Viajaram para o Sul.
Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:
– Me ajuda a olhar! 
(O livro dos abraços, de Eduardo Galeano. LPM.)
Atualmente, os leitores que se aventurarem pelas prateleiras das grandes bibliotecas e livrarias certamente serão surpreendidos pela quantidade de obras voltadas para o chamado público infantil e juvenil. E, se souberem procurar para além da enxurrada de livros escritos apenas para atender a demanda de mercado e os subprodutos dos desenhos animados, pode ser que encontrem alguns tesouros: títulos que apostam na inteligência do leitor, que provocam, instigam e convidam a muitas leituras. Essas obras exigem um olhar atento às múltiplas relações que se estabelecem entre texto e imagem, capa e conteúdo, formato e textura das páginas, técnicas de ilustração e tipologia. Nelas, tudo está a serviço da construção de sentido – e só vai aproveitar a experiência da leitura, em sua plenitude, um leitor capaz de dialogar com todas essas linguagens.
Mas, quem é o leitor para o qual esses livros estão sendo escritos? Que conhecimentos deve possuir para acessar essas obras?
Creio que os leitores desses livros são todos aqueles que estão dispostos a olhar o mundo com os olhos de quem pergunta. Por isso, os bons livros de literatura infantil são aqueles que não foram escritos para uma criança idealizada, idílica. Mas, que foram produzidos para surpreender, divertir e provocar todas as infâncias possíveis. Aquelas que estão sendo experimentadas pelos pequenos dos tempos de hoje e também aquelas que habitam os leitores adultos.
É com esse estado de espanto e descoberta diante do mundo que essas obras desejam conversar. E para isso é preciso aprender a ver. Educar o olhar para enxergar os diferentes códigos por meio dos quais um bom livro é produzido. E isso só é possível por meio do acesso a títulos de qualidade, ancorados por uma mediação que traga luz aos aspectos que só são observados pelos leitores mais experientes.
O livro sozinho, sem a presença do leitor, é apenas um objeto como outro qualquer. Para cumprir sua função, é preciso que se estabeleça uma interação com aquele que o lê, o qual lhe atribuirá significados a partir da experiência da leitura. E quanto maior a capacidade de construir relações com o texto, melhor e mais completa se torna a prática da leitura. Por isso, talvez hoje, mais do que nunca, esses livros repletos de códigos exijam um leitor que dialogue não apenas com o texto, com sua própria biografia ou experiência leitora, mas, principalmente, com outros leitores.
Gosto da imagem criada por Eduardo Galeano, que abre esse texto. Para olhar, é preciso alguém que conduza essa descoberta, essa travessia: um mediador. Um mediador é, antes de tudo, um leitor que, se já não é experiente no diálogo com essas múltiplas linguagens, reconhece seu lugar de aprendiz e possui vontade de conhecer junto, descobrindo e se encantando também a cada página. E, talvez, sua grande qualidade seja a disponibilidade para estar ao lado desse leitor e caminhar junto com ele em direção ao desconhecido, aos outros mundos, outros olhares e vivências trazidas pelo livro, abrindo também a possibilidade de diálogo com outros leitores.
Mais do que aquele que sabe tudo sobre leitura, um bom mediador – educador, bibliotecário, pai ou mãe – é alguém que promove a escuta. Seja porque está aberto a compreender as diferentes leituras que estão sendo construídas pelos leitores que tem diante de si, seja porque permite que todos sintam-se à vontade para mostrar suas descobertas, suas dúvidas e as diferentes aproximações que estão fazendo com o texto, com as imagens, com o livro como um todo. Talvez por isso, um boa experiência de mediação seja aquela que possibilita além da educação do olhar, a educação também da escuta.
Voltando ao texto de Galeano, desde que o li pela primeira vez, chamou-me a atenção o fato de que o garoto pede ao adulto que o ajude a olhar e não que olhe por ele. Talvez seja esse o convite feito pelos bons livros infantis aos leitores de todas as idades: que possamos juntos nos ajudar a ver. Quanto maior nossa capacidade de olhar e vontade de compartilhar verdadeiramente nossas visões, tanto maior será a nossa capacidade de leitura – não só das páginas, mas também da vida e do mundo.