Dedicatórias de escritores a José Mindlin e a sua biblioteca de 40 mil livros viram obra

Ivan Finotii

 
Um dos quartos da casa do Brooklin, que reunia 40 mil livros

Era uma casa muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada." Os versos de Vinicius de Moraes (1913-1980) não serviriam para descrever a residência no Brooklin, zona sul de São Paulo, onde o empresário José Mindlin e sua mulher, Guita, viveram cerca de 60 anos.

Porque a casa dos Mindlin tinha pelo menos uma coisa: livros. E muitos deles, centenas, milhares, cerca de 40 mil títulos. Mas era uma casa muito engraçada, pelo menos para a neta do casal, Lucia Mindlin Loeb, que lá passava as férias de verão e, durante as aulas, frequentava os almoços familiares de fim de semana.
Só mesmo uma casa muito engraçada para se comemorar aniversários de livros, o que aconteceu em 1988, com um bolo de chocolate, champanhe e um aniversariante de 500 anos na cabeceira da mesa: um exemplar original do poeta italiano Francesco Petrarca, datado de 1488.

"Na estante da sala tinha uma portinha, onde ficava o bar. Era demais!", lembra a fotógrafa Lucia, 40, que tinha 16 anos no aniversário de Petrarca.

Outra coisa engraçada na casa é que, dos 40 mil livros, centenas traziam dedicatórias especialíssimas endereçadas ao casal José (1914-2010) e Guita (1916-2006).
Dedicatórias que agora foram reunidas pela neta no livro "Para a Tão Falada Biblioteca José e Guita Mindlin" (Edusp, 240 págs., preço a definir).
Com fotografias de 124 dedicatórias --e das capas dos livros-- tiradas pela própria Lucia, a publicação traz mensagens manuscritas de Drummond, Manuel Bandeira, Rachel de Queiroz, Erico Verissimo, Antonio Candido, enfim, de toda a nata da literatura brasileira.

E também de estrangeiros do porte de Mario Vargas Llosa, José Saramago ou Jean Claude Carrière, roteirista das obras-primas surrealistas do espanhol Luis Buñuel, como "A Bela da Tarde" (1967), "O Discreto Charme da Burguesia" (1972) e "Esse Obscuro Objeto do Desejo" (1977).
 "Olá Jose Mindlin!", brincou Carrière em 1989, como se fosse o próprio Buñuel, morto seis anos antes. "Um abraço do fantasma L.B.", completou.
Já Drummond se espantou ao receber de Mindlin, em 1980, um exemplar de seu "Alguma Poesia", publicada 50 anos antes, quando o poeta tinha 28 anos.

Para facilitar a leitura da caligrafia nem sempre compreensível desses pesos pesados, a obra transcreve as dedicatórias a cada página.

JABUTICABA
A maioria desses livros não está mais na casa do Brooklin, com seu quintal e duas edículas que serviam de anexos para as prateleiras repletas.

Trinta mil títulos moram agora na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, inaugurada há dois meses na USP. E é lá que vai ser o lançamento da "Para a Tão Falada...", no dia 8 de junho, das 11h às 14h.

Lucia conta que teve a ajuda do avô quando começou a fazer as fotos, em 2009. "Ele me mostrava o que achava mais legal. E sabia onde estava cada livro." "Vô, tem do Manuel Bandeira?" "Tem, Lucia, está aqui." "E do Fernando Sabino?" "Aqui."

Às vezes, um dos autores aparecia para entregar pessoalmente seu exemplar autografado. E acabava ficando para o almoço, não sem antes dividir uma pinguinha mineira com o dono da residência, caso de Antonio Candido e de tantos outros.

Dividindo com tais escritores a torta de espinafre, bolinhos de frango, bifes e pastéis que a cozinheira Catarina preparava, Lucia acabou conhecendo boa parte deles ao redor da mesa de jantar.

Até pegou amizade com as netas de Verissimo, que tinham a mesma idade dela. E tomou um susto quando as duas recusaram as jabuticabas de sobremesa, colhidas no próprio quintal. "São as únicas pessoas que conheci até hoje que não gostam de jabuticaba. Estranho, né?"

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/

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