A carência generalizada de bibliotecas nas
escolas brasileiras está inscrita num contexto em que pesam a
desvalorização da cultura leitora e o modelo educacional adotado
historicamente pelo país.
Em 2010, apenas 35% das escolas brasileiras contavam com bibliotecas
O cenário atual é grave e não há qualquer sinal de que uma evolução rápida esteja a caminho, mesmo após a sanção da lei da universalisação das bibliotecas. Em 2010, o número de escolas (públicas e particulares) de nível fundamental com bibliotecas era de 35% e, no ensino médio, de 72% – houve apenas um ponto percentual de melhoria em cada nível de ensino.
A lógica educacional transmissiva, diz Ivete, embora esteja sendo repensada atualmente por causa das novas teconologias, ainda é bem aceita em quase todos os meios, e é por isso que certos pais aceitam pagar mensalidades para que seus filhos estudem em instituições sem bibliotecas. “A população, mesmo a que faz parte de circuitos econômicos privilegiados, não tem ideia da importância do papel da biblioteca na formação educacional. Para eles, um bom professor com um livro didático dão conta.”
Mas para que investir recursos humanos e financeiros em um local tão pouco utilizado pelos alunos hoje em dia? Mesmo num mundo cada vez mais digital, com os jovens procurando novas plataformas, ainda faz sentido brigar para que bibliotecas sejam criadas, acredita Christine Fontelles, do Instituto Ecofuturo, voltado para a promoção da leitura e escrita. “É preciso haver um local para acessar livros, não importa se o suporte seja impresso ou digital. Em Madri, já existe uma biblioteca que empresta tablets. O importante é que todos possam se tornar íntimos da ação da leitura”, afirma ela.
Mesmo tão ausentes, as bibliotecas escolares ainda são a principal fonte de acesso a livros para crianças e jovens com idades entre 5 e 17 anos, revela a pesquisa Retratos da leitura no Brasil, realizada pelo Instituto Pró-Livro. Foram elas as responsáveis por 47% dos títulos lidos por essa faixa etária.
No ranking de escolas com e sem bibliotecas no Brasil, o estado em melhor situação, o Rio Grande do Sul, tem 74% das escolas de nível fundamental e 95% das de nível médio com bibliotecas. O bom resultado, no entanto, vem de um trabalho bem anterior à legislação de 2010.
O estado mais rico do Brasil, São Paulo, contraditoriamente aparece no Censo Escolar como um dos menos equipados, ficando abaixo da média nacional, com bibliotecas em 29% dos estabelecimentos de ensino de nível fundamental. A rede estadual é a de pior índice entre os 26 estados e Distrito Federal: somente 9% das escolas oferecem bibliotecas a seus alunos. No ensino fundamental, são 433 escolas com bibliotecas e um déficit de 4.455.
Educação e cultura
O cenário atual é grave e não há qualquer sinal de que uma evolução rápida esteja a caminho, mesmo após a sanção da lei da universalisação das bibliotecas. Em 2010, o número de escolas (públicas e particulares) de nível fundamental com bibliotecas era de 35% e, no ensino médio, de 72% – houve apenas um ponto percentual de melhoria em cada nível de ensino.
É no ensino fundamental que a falta de bibliotecas encontra uma
realidade mais dramática: apenas 30% das escolas públicas oferecem o
equipamento nessa etapa de ensino, e 43% dos alunos estudam sem ela. Na
escola privada elas também fazem falta: 28% das escolas não oferecem
esse equipamento e 18% dos alunos estudam sem ele. Em âmbito nacional,
as escolas municipais são as mais deficitárias – só 22% contam com
acervos organizados.
Com o tempo passando, a legislação parece cada dia mais longe de
chegar a ser cumprida. O Censo Escolar mostra que, em dois anos, foram
implantadas 317 bibliotecas em escolas fundamentais e 650 em
instituições de nível médio. Ainda faltam mais de 99 mil. Em 2010, era
necessário construir 28 novas bibliotecas por dia no país para chegar em
2020 com 100% de cobertura. Dois anos mais tarde, o ritmo precisa ser
de 34 bibliotecas por dia.
Para Ivete Pieruccini, professora do curso de biblioteconomia e
coordenadora do laboratório de infoeducação da Universidade de São Paulo
(USP), a carência generalizada desse espaço está inscrita em um
contexto sociocultural complexo, em que pesam a falta de uma cultura de
bibliotecas e o modelo educacional adotado historicamente pelo Brasil.
“Nos países anglo-saxões, por razões históricas ligadas à religião e à
leitura da Bíblia, o livro é visto como uma fonte de conhecimento e
informação, assim como o professor”, explica Ivete. “Aqui nós usamos as
bibliotecas para preservação do patrimônio cultural escrito, dentro de
uma outra lógica. A biblioteca não é vista como indispensável porque a
educação não a incorporou como fonte de informação. O professor é a
fonte única, que responde por todos os problemas de preenchimento de
conteúdo.”
Efeitos na educação
A lógica educacional transmissiva, diz Ivete, embora esteja sendo repensada atualmente por causa das novas teconologias, ainda é bem aceita em quase todos os meios, e é por isso que certos pais aceitam pagar mensalidades para que seus filhos estudem em instituições sem bibliotecas. “A população, mesmo a que faz parte de circuitos econômicos privilegiados, não tem ideia da importância do papel da biblioteca na formação educacional. Para eles, um bom professor com um livro didático dão conta.”
Para Carlos da Fonseca Brandão, professor da Faculdade de Educação da
Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), do campus de Assis, a falta
de bibliotecas reflete a deficiência no processo de alfabetização e
colabora com ele. “Uma criança bem alfabetizada gosta de ler; as com
dificuldade, não querem ler.” Ao ter uma biblioteca disponível, é mais
provável que a criança pequena tenha seu desejo de conhecer o mundo das
letras despertado, o que torna a alfabetização mais fácil.
Gustavo Gouveia, coordenador da Rede de Bibliotecas do Instituto
Brasil Leitor (IBL), lembra que a falta de um espaço para consulta e
leitura não dirigida afeta diretamente a capacidade da escola de formar
um cidadão leitor, assim como atrapalha o desenvolvimento da autonomia
na aprendizagem.
“Um aluno sem acesso a uma biblioteca fica impossibilitado de se
habituar a esse espaço que concentra informações. Ele vai para a sala de
aula, aos laboratórios, sempre coordenado, dirigido”, afirma. “É na
biblioteca que ele tem a oportunidade de adquirir conhecimento de
maneira informal, acessar a informação que ele deseja, não
necessariamente direcionado”, explica.
Repensando o espaço
Mas para que investir recursos humanos e financeiros em um local tão pouco utilizado pelos alunos hoje em dia? Mesmo num mundo cada vez mais digital, com os jovens procurando novas plataformas, ainda faz sentido brigar para que bibliotecas sejam criadas, acredita Christine Fontelles, do Instituto Ecofuturo, voltado para a promoção da leitura e escrita. “É preciso haver um local para acessar livros, não importa se o suporte seja impresso ou digital. Em Madri, já existe uma biblioteca que empresta tablets. O importante é que todos possam se tornar íntimos da ação da leitura”, afirma ela.
De fato, uma mídia não exclui a outra. Mas, como o país ainda não foi
capaz de universalizar sequer as bibliotecas tradicionais, a discussão
sobre a convivência do livro em papel com o digital parece um problema
distante da maioria dos alunos Brasil afora. O importante, segundo
Christine, é que a biblioteca faça sentido, seja entendida e projetada
como um local para o despertar de um novo prazer. Portanto, não basta o
acesso aos livros, embora ele seja uma pré-condição. É preciso ir além.
“Se a leitura é impositiva, fica chata. É preciso, por exemplo, dar
liberdade para os alunos escolherem um título – por que todo mundo tem
de ler a mesma coisa ao mesmo tempo? Ninguém nasce leitor, tudo é
aprendizado”, diz.
Para Ivani Nacked, diretora de projetos do IBL, o déficit de
bibliotecas e a falta movimentação em torno do tema refletem a
desvalorização do ato de ler na sociedade brasileira. “A biblioteca é
vista como um lugar sisudo, fechado. O livro por vezes é endeusado,
proibido de estar no chão, tem de estar na estante. Isso causa um
distanciamento”, acredita.
Portanto, antes de discutir a implantação de uma nova biblioteca, é
preciso um processo de reflexão sobre esse espaço, recomenda Ivani. “O
que é um acervo? Uma estante com livros? O silêncio tem de imperar? Uma
biblioteca não pode ter um acervo musical? O foco não é só a palavra
escrita. Deve ser uma sala onde todos possam se encontrar para aumentar
seu repertório cultural.”
A biblioteca pode, portanto, ser um ambiente que integre várias
manifestações, um lugar agradável que dois amigos escolhem para se
encontrar para desenhar enquanto ouvem música, por exemplo. Para trazer
as crianças e jovens para dentro desse ambiente rico, é necessário ouvir
a opinião deles sobre o assunto, em vez de haver decisões exclusivas
dos dirigentes. “O jovem sempre traz algo desconhecido para a escola;
ele tem muito a contribuir. Perguntar o que ele deseja da biblioteca,
para que seja um espaço que pertença a todos, não seja excludente, é um
bom primeiro passo”, afirma Ivani.
Exemplo dos professores
Mesmo tão ausentes, as bibliotecas escolares ainda são a principal fonte de acesso a livros para crianças e jovens com idades entre 5 e 17 anos, revela a pesquisa Retratos da leitura no Brasil, realizada pelo Instituto Pró-Livro. Foram elas as responsáveis por 47% dos títulos lidos por essa faixa etária.
No levantamento mais recente, divulgado em 2012, os estudantes haviam
lido em média 3,41 livros nos três meses anteriores ao questionário,
sendo que 2,21 foram indicados pela escola e apenas 1,20 por iniciativa
própria (aqui estão incluídos todos os tipos de livro, de literatura,
didáticos e até a Bíblia). Apesar do índice baixo, quem está estudando
lê bem mais do que quem já saiu da escola: 74% dos estudantes leem,
contra 31% dos não estudantes.
E o professor se mostra o principal agente influenciador da leitura;
dos cinco mil entrevistados, 45% apontaram seus mestres como quem mais
influenciou seu hábito de leitura. Nas edições anteriores, as mães foram
as mais citadas.
Mas os docentes, de forma geral, não se mostram bons exemplos de
leitores. Compilação de dados da plataforma educacional QEdu, com base
no questionário socioeconômico da Prova Brasil, apontou que nem metade
dos professores da rede pública leem no seu tempo livre – apenas 45%
disseram ler sempre ou quase sempre.
Para Andrea Berenblum, da Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro (UFRRJ), é urgente preparar os professores para esse cenário. A
professora do Instituto de Educação fez, a pedido do MEC, em 2005, uma
avaliação diagnóstica do Programa Nacional da Biblioteca Escolar (PNBE).
Suas conclusões foram de que a distribuição de acervos é “bem
necessária”, porém, insuficiente como política de formação de leitores.
Uma medida conjunta, acredita ela, seria a capacitação dos docentes.
“É fundamental considerar e refletir sobre as inúmeras dificuldades
dos professores para trabalhar com os livros nas escolas, a ausência de
formação que lhes permita pensar criticamente sobre sua prática
pedagógica e discutir diferentes concepções de linguagem, de leitura e
de escrita, os limites no aproveitamento do material disponível e a
angústia pela falta de tempo para exercitar a própria leitura”, diz a
pesquisadora.
Segundo Andrea, políticas de fomento à leitura e de formação de
leitores precisam se centrar não apenas na distribuição de acervos, mas
em garantir a qualidade do trabalho pedagógico com a leitura e a
escrita. “Isso envolve levar em consideração, ademais e principalmente,
as reais condições em que os profissionais da educação estão
desenvolvendo o seu trabalho cotidiano nas instituições educacionais.”
Esses fatores poderiam explicar por que, quando chegam à escola, os
livros são ‘escondidos’, sem serem disponibilizados para a comunidade
(leia mais na página 43). Para Brandão, da Unesp, o triste cenário atual
só vai melhorar se houver vontade política em todas as esferas. “É
preciso entender as responsabilidades dos níveis da federação. O governo
federal tem o PNBE, os municípios têm a obrigação de gastar 25% da
receita dentro da escola. Agora é preciso usar esses recursos
disponíveis”, afirma.
Trabalho de longo prazo
No ranking de escolas com e sem bibliotecas no Brasil, o estado em melhor situação, o Rio Grande do Sul, tem 74% das escolas de nível fundamental e 95% das de nível médio com bibliotecas. O bom resultado, no entanto, vem de um trabalho bem anterior à legislação de 2010.
Na década de 1950 foi criado dentro da secretaria de Educação um
setor responsável pelas bibliotecas. Em 1988, foi estabelecido um
“horário semanal de leitura” no currículo da rede estadual. Em 1989, a
Constituição Estadual determinou que as escolas públicas e particulares
deveriam ter bibliotecas. Desde então, o Conselho Estadual de Educação
só aprova a abertura de novas instituições se elas tiverem o
equipamento. Pela lei estadual, o acervo mínimo é de quatro volumes por
estudante.
“A continuidade das políticas públicas faz a diferença”, afirma a
bibliotecária Maria do Carmo Ferreira Mizetti, coordenadora do Sistema
Estadual de Bibliotecas Escolares.
Mesmo assim, apesar das décadas seguidas de esforço, ainda faltam
1.700 bibliotecas escolares no Rio Grande do Sul. Maria do Carmo aponta
algumas dificuldades. “Em algumas escolas, o número de alunos aumentou e
a biblioteca acabou virando sala de aula. Em escolas muito pequenas, o
acervo fica inteiro numa estante, não há uma biblioteca de fato.”
A coordenadora também cita a falta de biblioteconomistas como entrave
para a evolução das já existentes. “Estamos terminando um manual sobre o
funcionamento de uma biblioteca, para que o profissional que assumir
possa ter métodos eficientes de trabalho.”
Confusão de nomes
Confusão de nomes
O estado mais rico do Brasil, São Paulo, contraditoriamente aparece no Censo Escolar como um dos menos equipados, ficando abaixo da média nacional, com bibliotecas em 29% dos estabelecimentos de ensino de nível fundamental. A rede estadual é a de pior índice entre os 26 estados e Distrito Federal: somente 9% das escolas oferecem bibliotecas a seus alunos. No ensino fundamental, são 433 escolas com bibliotecas e um déficit de 4.455.
Segundo a secretaria estadual de Educação, porém, todas as escolas
possuem acervo disponível aos alunos para consulta e leitura. O baixo
índice alcançado no levantamento oficial do MEC seria um problema de
nomeclatura. Existe um programa oficial da secretaria chamado Salas de
Leitura – mas na prática elas funcionam como bibliotecas normais.
No entanto, ao responder o Censo, os dirigentes das escolas assinalam
que elas possuem “salas de leitura” em vez de “bibliotecas”. Segundo a
secretaria, quase três mil escolas participam do programa Salas de
Leitura, número que equivale a 65% de todas as unidades da rede.
Aberta das 7h às 23h, durante todos os turnos de aula, a sala de
leitura da Escola Estadual João Octavio dos Santos, no morro do Bufo, em
Santos, se parece com uma biblioteca tradicional. Estantes de livros
separados por temas e indicação de faixa etária recobrem as paredes. No
meio da sala, decorada com desenhos de alunos, estão dispostas seis
mesas circulares com cadeiras. Há também uma TV com aparelho de DVD e um
data-show, além de mesa para atendimento.
“Não temos a figura do bibliotecário, mas dois professores ficam
responsáveis pela sala. Eles receberam treinamento para a função e
trabalham muito o lado pedagógico”, afirma a diretora, Maria Madalena de
Almeida Serralva. “Se um aluno teve uma aula sobre a Segunda Guerra e
se interessou pelo assunto, eles podem indicar os livros de história, ou
de literatura, que tratem do tema”, exemplifica Maria Madalena sobre
como o trabalho da sala é naturalmente articulado com o currículo.
Com livre acesso a todos os alunos, e também aos pais, a sala possui
um acervo que atende desde o primeiro ciclo do fundamental ao ensino
médio. “As crianças menores são as que mais leem. Muitas vêm aqui no
recreio e leem um depois do outro. É importante para formar o hábito”,
afirma a diretora.
Os controles de empréstimos ainda são feitos em cadernos de papel,
escritos à mão. A informatização da sala está prevista para este ano. A
secretaria de Educação informou que há um sistema específico para as
bibliotecas da rede, em que é possível consultar o acervo de todas as
escolas já conectadas e, se for preciso, o estudante pode buscar um
livro em uma outra unidade. A reportagem da revista Educação visitou
também salas de leitura de outras quatro escolas na capital paulista e
todas seguem o mesmo padrão.
Cabe perguntar se, independemente da nomenclatura, os alunos
brasileiros apartados do mundo da leitura poderão enfrentar deficiências
não apenas na vida escolar, mas na vida prática, e no seu papel como
cidadãos.
Fonte: http://bit.ly/1gmoNsw
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