Leitura: obrigação ou prazer?

Texto de Mariana Caminha
A coisa só vai mudar mesmo, na prática, ano que vem. Mas já se pode dizer que o currículo das escolas inglesas passa hoje por uma grande revisão, especialmente no que toca ao ensino da língua.

É que o governo da Inglaterra está com os olhos voltados para o que as crianças andam lendo na escola. Na verdade, preocupa-se com o que os alunos estão deixando de ler nos primeiros anos de ensino formal.

O ministro da Educação inglês, Michael Gove, é quem lidera a revolução que está para acontecer. Ele, que se diz tradicional quando o assunto é ensino, acredita que as escolas afrouxaram o aprendizado e dá como exemplo os alunos de segundo grau, que leem cerca de dois romances por ano. Segundo Gove, o ideal era que fossem 50 livros, pelo menos.

Por isso, o Ministério da Educação quer implementar uma lista de leitura obrigatória, de livros e autores, para crianças entre 5 e 11 anos. O problema seria, então, corrigido ou evitado ainda no primeiro grau.

Vocês não imaginam o debate que a ideia está gerando no país. E olha que a medida ainda nem saiu do papel. Enquanto autores de livros infantis se pronunciam, e dizem que professores têm de ter a liberdade de indicar as obras que mais se adequam ao perfil de seus alunos, especialistas em educação afirmam que a medida vai fazer com que os alunos passem a detestar ler.

“Esse Michael Gove é um totalitário, um ditador da leitura!”, exageram.

Quase que inevitavelmente, a história me faz lembrar de outro ditador do ramo, só que brasileiro, um professor da Universidade de Brasília.

“Ditador” e “louco” eram provavelmente os adjetivos mais sutis dados pelos alunos a Gilson Sobral, do Departamento de Letras, um professor igualmente adorado e odiado pelos universitários. A semelhança entre Sobral e Gove? Uma infame lista de obras imposta aos alunos.

A ideia de Sobral era simples: apresentar aos jovens uma relação de clássicos da Literatura e obrigá-los a ler um por semana. Para certificar-se do cumprimento da tarefa, elaborava provas extremamente específicas, aplicadas todas as segundas-feiras. Não dava para enganar o ditador. Quem trocasse os livros por resumos tirados da Internet não conseguia fazer a prova. Era reprovação na certa.

Foi assim que eu, aos 18 anos, fui apresentada a Cervantes, Dante Alighieri, Platão, Camões, entre tantos outros gigantes da literatura mundial. Sobral foi o meu primeiro professor na UnB, e o mais importante deles.

Pode ser que eu tenha tendências totalitárias. Afinal de contas, apliquei o método “sobraliano” a meus alunos de literatura no segundo grau, à época em que me aventurei pelo magistério…

Testemunhei os protestos enfrentados por Sobral no Brasil. Já para Gove a situação é ainda mais difícil, pois sua sala de aula é infinitamente maior, um país inteiro. A eles, defensores da imposição de que os jovens devem ler os clássicos, opõem-se os que dizem não haver nada mais favorável à literatura… do que o prazer de ler, a deliciosa experiência de devorar um bom livro. O ideal, penso, é o meio termo entre as duas convicções. Belo desafio para os professores, de quem já fui colega um dia…

Mariana Caminha é formada em Letras pela UnB e em jornalismo pelo UniCEUB. Fez mestrado em Televisão na Nottingham Trent University, Inglaterra. Casada, mora em Londres, de onde passa a escrever para o Blog do Noblat sempre às segundas-feiras. Publicou, em 2007, o livro Mari na Inglaterra - Como estudar na ilha...e se divertir

Fonte: Blog do Noblat

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