Entrevista com Rubens Alves

Rubens Alves, escritor, psicanalista, teólogo e educador brasileiro, autor de inúmeros livros, tem uma multidão de fãs. E de leitores. Passeia livremente e com muita propriedade por temas como a educação, a religião e questões existenciais. Isso, sem falar nos seus escritos infantis.

Rubens está com livro novo, “Variações Sobre o Prazer”.

Na entrevista abaixo fala de sua nova obra e de outros temas interessantes.

AE – Porque logo de saída, no prefácio, você avisa – Eu não deveria ter tentado escrever este livro?
RUBEM ALVES – Porque o livro estava me fazendo sofrer. Fiquei obcecado com a ideia, que me parecia muito boa. Todos os meus momentos livres, eu os dedicava a escrever. E, com isso, não me sobrava tempo para o prazer. Escrever deve ser uma experiência de felicidade.

AE – “Variações Sobre o Prazer” ou o “Livro Sem Fim” apareceu como uma espécie de contestação ao método, ressistematização ou por puro prazer, para negar tudo isso? É uma defesa do pensamento em antítese ao fazer, produzir, lucrar? Um manifesto contra a educação utilitarista e pragmática, da ‘múltipla alternativa’, do ‘diploma’, em favor de uma educação que ensine com amor o prazer e a alegria de pensar, de se alcançar o conhecimento?
RUBEM ALVES
– Não, eu não estava pensando em contestar o “método”. O que eu queria era fazer o que Albert Camus desejava. No seu “Cadernos da Juventude”, escreveu: “Quando tudo estiver acabado: escrever sem preocupação de ordem. Tudo o que me passar pela cabeça”. ( A. Camus, Primeiros Cadernos, p. 427). Ele não teve essa chance. Morreu antes. O “Assim Falava Zaratustra” é um exemplo dessa desordem, as palavras sendo levadas pelo vento… O consciente marcha. O inconsciente dança…

AE – Qual o peso que o ‘crepúsculo’ (a velhice) teve na decisão de trocar os ’saberes’ – o conhecimento formal que é bom e útil – pelos ’sabores’, o saber com gosto, alegria, prazer?
RUBEM ALVES – Precisei, primeiro, libertar-me das regras do discurso acadêmico. E isso aconteceu não por uma decisão pensada, mas pela minha experiência com a minha filha pequena. Comecei a escrever estórias para crianças em resposta às suas perplexidades e sofrimentos. Essa experiência de escritor – que surgiu de repente, seu preparo – abriu as portas para o meu jeito de escrever para os adultos. Aprendi que quem lê com prazer aprende mais… Trata-se de uma filosofia de vida: “carpe diem – colha o dia”. É para isso que vivemos. Como disse Fernando Pessoa, “dia que não gozaste não foi teu. Foi só durares nele…”

AE – No seu livro a gente entra no mundo classificado como ‘pesado’ da Filosofia e examina universos distintos – Descartes, Nietzsche, Marx, Agostinho de Hypona, Kierkegaard, Kant… – a partir de paisagens, contrapontos ou ‘ilustrações’ de Goethe, Mário Quintana, Fernando Pessoa, Roland Barthes, Manoel Barros, Octávio Paz, García Márques, Gustavo Corção, Borges… Isso sem falar na música – Mozart, Schumann, Chopin, Beethoven e nos grandes pintores e sua preferência pelas ‘figuras’. Que ‘feitiçaria’ o senhor usa para escrever, que pode se transitar por esses filósofos como quem mora num sítio e vai ao galinheiro, no quintal, buscar um ovo para fritar. E volta, e frita e come o ovo ‘estalado’ e se lambuza?
RUBEM ALVES – Gostei da metáfora… É isso mesmo. Cada uma das pessoas que você cita é um ninho cheio de ovos. Compete ao escritor exercer com os ovos a sua arte de “chef”… Produzir palavras que são boas para comer. Não uso feitiçaria alguma. Não tenho um método. As palavras e as ideias simplesmente vêm. Feiticeiro não sou eu. São as palavras…

AE – “Hoc est corpus meum” – escrever com o sangue, com as feições da própria história, com as histórias vividas e experienciadas – é o segredo, a feitiçaria, para se produzir um livro para ‘comer’, como esse seu? Um livro fácil de ‘devorar’? Este livro é ’seu corpo e seu sangue’ mesmo? É uma ‘transubstanciação’?
RUBEM ALVES – Esse é o meu desejo: transubstanciação. Quero transformar-me no meu próprio corpo, para que os leitores, ao me lerem, fiquem um pouco parecidos comigo…

AE – Todos os outros livros que escreveu foram sofridos ou lhe deram o mesmo prazer e a alegria que se percebe que teve ao escrever esse?
RUBEM ALVES – Não. Há livros que me dão alegria maior, livros nos quais eu me vejo refletido. Esse livro “Variações Sobre o Prazer” me dá grande alegria, a despeito do sofrimento. Vale, para mim, o aforismo de Blake: “O prazer engravida, mas o sofrimento faz parir. Cada livro é um filho…

Fonte: http://www.diariodecuiaba.com.br/

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