Maior livraria flutuante do mundo leva esperança a portos da América Latina

Navio de organização sem fins lucrativos tem como objetivo fornecer 'conhecimento, ajuda e esperança' a cada local que visita.


 Foto do Logos Hope, navio com a maior biblioteca flutuante do mundo

Dar a volta na América Latina é um dos objetivos do navio "Logos Hope", que abriga a maior livraria flutuante do mundo e que chegou na semana passada ao porto de Veracruz, um dos quatro que visitará no México em quatro meses de estadia.

A outra meta do navio, que pertence à GBA Ships, organização sem fins lucrativos registrada na Alemanha, é continuar fornecendo "conhecimento, ajuda e esperança" em cada local que visita.

Porque, além do conhecimento que disponibiliza através dos livros, a embarcação conta com sua própria sala de concertos, um centro de conferências e inclusive seu próprio teatro, serviços que oferece às comunidades às quais chega.

"Durante quatro meses estaremos visitando quatro portos do México. Depois de Veracruz (no estado homônimo) iremos a Tampico (Tamaulipas), depois a Coatzacoalcos (novamente Veracruz) e finalmente a Progreso (Yucatán)", explicou Pavel Martínez, oficial de relações midiáticas do navio, à Agência Efe.

"Posteriormente, desceremos à América Central, começando pelo Panamá. A ideia é dar a volta na América Latina para levar ajuda", acrescentou Martínez.

Essa ajuda é uma parte importante do "Logos Hope" e acontece fora da embarcação.

Logos Hope tem maior livraria flutante do mundo e tem como meta continuar fornecendo 'conhecimento, ajuda e esperança' a cada local que visita


O representante relatou que todos os dias uma parte da tripulação viaja para diferentes pontos da cidade onde o navio atraca e inclusive a cidades próximas para oferecer ajuda prática e gratuita, que vai desde a distribuição de livros até doações diversas.

"Doamos livros para escolas, orfanatos inclusive para prisões. Também participamos de trabalhos de construção e reconstrução de obras públicas como escolas, hospitais e centros esportivos, e fazemos doações de filtros de água, lentes para pessoas da terceira idade e ajuda médica. A ideia é beneficiar pessoas que não podem nos visitar", destacou.

"E embora não possamos mudar todo o mundo com este tipo de ações, para alguns mudamos tudo e isso é o que nos dá satisfação: saber que pelo menos para algumas pessoas podemos fazer a diferença", declarou Martínez.

O navio, de 132 metros de comprimento, conta com 400 voluntários de 65 nações, que põem à disposição do público mais de cinco mil títulos.

Para muitos dos visitantes, o "Logos Hope" é a primeira oportunidade que têm de comprar literatura de boa qualidade a custos "muito abaixo" dos que encontrariam em uma livraria "normal".

"Foi uma experiência incrível. Eu vinha para ficar um ano, mas já não me deixam sair. Tem que deixar tudo, sair da zona de conforto e seguir em frente, ter fé que algo melhor virá por ajudar o próximo", comentou a voluntária mexicana Karla Guzmán, de 30 anos e que já está há dois anos e meio trabalhando no navio.

Segundo números do "Logos Hope", mais de 46 milhões de pessoas em mais de 150 países caminharam pelos corredores da embarcação para visitar esta espécie de feira do livro flutuante.
O navio, que permanecerá em Veracruz até 22 de abril, iniciou sua excursão pela América Latina no dia 30 de janeiro em Cartagena, na Colômbia.

A livraria flutuante será palco de duas peças de teatro, concertos e um evento especial para comemorar o 499º aniversário da fundação do Porto de Veracruz.

João Cezar de Castro Rocha: “Literatura não é transmissão de conteúdo”

Premiado no Brasil e com uma trajetória acadêmica impecável lá fora, o presidente da Associação Brasileira de Literatura Comparada (Abralic) diz que não dá fugir desse chavão: “Não seremos nunca uma nação de cidadãos plenos enquanto não constituirmos um país de leitores.!"


O modo com que o ensino da Literatura é tratado no Ensino Médio é, frequentemente, apontado como um dos grandes responsáveis por afastar os jovens brasileiros da leitura de livros literários. Qual é o caminho das pedras, na sua opinião?

R) Na verdade, o problema da Literatura no Ensino Médio não é exclusivo, porém um sintoma de um problema mais geral – eis a hipótese que proponho para nosso diálogo. Em outras palavras, a forma de ensino é anacrônica, pois parece excessivamente centrada na transmissão de conteúdos determinados; que muitas vezes são conteúdos definidos pelo programa de futuros vestibulares ou concursos. Assim, o ensino torna-se uma função paradoxalmente voltada para uma prática exterior à atividade pedagógica. No caso da Literatura, essa forma anacrônica de ensino revela sua face menos favorável, e explicarei em que medida o ensino atual tende a um anacronismo responsável pelo seu insucesso. Vejamos. Ora, se em disciplinas como, por exemplo, História, Biologia, Química, Geografia e Matemática, é possível imaginar um conteúdo mínimo, digamos, “fixo” e, sobretudo, razoavelmente “consensual”, o mesmo dificilmente pode ser dito em relação à Literatura. A razão é simples, mas decisiva: o texto literário, por definição, resiste à fixidez de sentidos e à determinação de um conteúdo indiferente à recepção; pelo contrário, a experiência literária é múltipla e reitera o provérbio: cada cabeça, uma sentença; cada leitura, uma interpretação. Dessa hipótese derivo uma proposta, qual seja, no Ensino Médio a Literatura, denominação sisuda, engravatada, deveria ser pensada como uma experiência literária, vale dizer, vivência lúdica, reconhecimento pleno da narrativa como um jogo propriamente interativo.
                 
Porque, afinal, a literatura se faz tão necessária em cada um dos níveis de ensino na educação brasileira?

R) Eis uma pergunta difícil – e, como toda questão complexa, decisiva. Esboço uma resposta arriscando outra hipótese. O universo digital, ninguém ignora, produziu – e, como se trata de um processo em curso, segue produzindo – transformações cognitivas consideráveis, especialmente entre os mais jovens, ou seja, as alunas e os alunos do Ensino Médio! Ora, hoje, todo jovem com acesso ao mundo novo das redes sociais já chega à escola com certas funções altamente desenvolvidas. Pensemos em algumas: facilidade de encontrar informações em plataformas as mais diversas; habilidade de lidar simultaneamente com fontes múltiplas; intensidade na assimilação de dados; capacidade associativa muito próxima à estrutura do hyperlink; disponibilidade (lúdica) para os atos de leitura e de escrita. Nesse horizonte – e veja que não pretendo ser exaustivo! – salta aos olhos o anacronismo, ingênuo, de uma pedagogia que ainda se baseie na transmissão de um conteúdo determinado e em boa medida estável. Mas nem tudo são apenas traços, digamos, “positivos”, pois, como os apocalípticos não se cansam de reiterar, as mesmas funções que assinalei possuem um lado, por assim dizer, “obscuro”. Aí se encontram a superficialidade na assimilação de dados, a virtual impossibilidade de concentração num único tópico, a dificuldade de resistir à simultaneidade como tempo único da interação social e a ansiedade na obtenção de respostas e resultados imediatos. Hora de arriscar minha hipótese. Vamos lá. Compreendida como experiência literária, portanto, resgatando o caráter lúdico e interativo que se encontra na origem do ato narrativo, o ensino de Literatura possui um potencial que, salvo engano, ainda não foi devidamente explorado. Esse tema leva longe... Por ora, limito-me a recordar um traço indissociável da experiência literária, isto é, o ato de leitura de textos literários demanda a vivência de um tempo próprio, irredutível à simultaneidade da interação imediata propiciada pelo universo das redes sociais. Esse tempo outro, se não for dissociado de seu caráter lúdico e interativo, talvez seja a forma mais incisiva e contemporânea de superar a ideia do ensino como transmissão de conteúdo.

O MEC acaba de anunciar uma padronização dos formatos dos livros de literatura que promete voltar a comprar a partir de 2019. Isso é realmente um problema?

R) Seria fácil criticar a medida, pois, sem dúvida, tal iniciativa incide no equívoco, anacrônico, de reduzir o ensino exclusivamente à transmissão de conteúdo. Mas tal crítica não pode ignorar um fato elementar da ordem da administração pública, qual seja, a fim de lançar mão de recursos públicos é indispensável especificar, em edital, uma padronização mínima. Reconhecendo esse dado concreto, vale a pena ressalvar que a compreensão da potência da experiência literária não foi adequadamente explorada – e não apenas neste atual governo. O mais importante, no entanto, é que a padronização não seja dominada por critérios exclusivamente de conteúdo.

Para onde caminham nossas políticas públicas do livro, leitura, literatura e bibliotecas?

R) As políticas públicas no Brasil – e não apenas as relativas ao livro, à leitura, à literatura e às bibliotecas – infelizmente sofrem de um mal crônico: a falta de continuidade. Se, no plano político, tal prática leva por vezes a uma paralisia da administração, e certamente a um lamentável desperdício de recursos, no plano da cultura ela possui efeitos devastadores. Não seremos nunca uma nação de cidadãos plenos enquanto não constituirmos um país de leitores. A frase é um lugar-comum, reconheço, mas, aqui, no sentido clássico, isto é, deveria ser parte do repertório coletivo.