Paula Adamo Idoeta
A futura biblioteca de Aarhus, na Dinamarca, será parte de um complexo multiuso e tecnológico
Reduções nas verbas, perda de protagonismo do livro para
mídias digitais e, em muitos casos, declínio no número de visitantes. O cenário
atual é preocupante para bibliotecas públicas de todo o mundo, mas muitas estão
aproveitando o momento para se revitalizar, embarcar em novos formatos e em
novas tendências urbanísticas.
O objetivo é atrair antigos e novos visitantes e, em muitos casos, virar um
centro de referência sociocultural, em vez de apenas um local de leitura.
Na Dinamarca, a futura biblioteca de Aarhus será parte de um
grande complexo urbano, inserido nos planos de revitalização da baía da cidade.
O complexo, a ser concluído em 2015, vai incluir repartições
públicas, espaços para shows, cursos e reuniões, áreas para serem alugadas à
iniciativa privada e um café com vista para a baía. Móveis modulados permitirão
que as salas da biblioteca sejam usadas para diferentes propósitos ao longo dos
anos, de acordo com a demanda dos usuários.
"É muito mais do que uma coleção de livros", diz à
BBC Brasil Marie Ostergard, gerente do projeto. "É um local de
experiências e serviços. Notamos que precisávamos dar mais espaço para as
pessoas fazerem suas próprias atividades ou para se encontrar."
Manguinhos e
Carandiru
Aarhus resume as ambições da nova biblioteca – que incorpora
novas mídias, cria espaços multiuso em constante transformação, é parte de um
plano urbanístico transformador e almeja fomentar novas pesquisas e ideias.
Mas há exemplos semelhantes em todo o mundo, da Ásia e
Oceania à América Latina, inclusive no Brasil.
Aqui, novas tendências inspiraram a construção de
bibliotecas como a de Manguinhos, na zona Norte do Rio, para atender um
complexo de 16 favelas com um acervo de 27 mil títulos, além de salas para
cursos gratuitos, para reuniões comunitárias e para projetos multimídia. Um
café e um cineteatro devem ser inaugurados neste semestre.
A iniciativa, repetida em outras áreas do Rio, é parte do
projeto biblioteca-parque, copiado de Medellín, na Colômbia.
Na cidade colombiana, áreas carentes receberam grandes
bibliotecas que servem para conectar outros espaços públicos e oferecer também
cinema, cursos, shows de música.
De volta ao Brasil, exemplo semelhante é visto também na Biblioteca de São
Paulo, erguida junto ao Parque da Juventude, na área do antigo presídio do
Carandiru (zona Norte).
É uma retomada da função da biblioteca, antes vista
como um lugar muito elitizado ou como um mero depósito sucateado de
livros", opina à BBC Brasil Adriana Ferrari, coordenadora da unidade de
bibliotecas da Secretaria da Cultura paulista.
Acervo e futuro
Mudar a forma de se relacionar com o público significa também mudar o acervo,
incorporando DVDs, games e, é claro, e-books e leitores digitais, como o Kindle.
Para aumentar o apelo ao público, em especial o mais jovem,
as bibliotecas também têm ampliado seu acervo de best-sellers, indo além dos
livros clássicos – algo que pode incomodar os mais ortodoxos.
Para Ferrari, porém, oferecer best-sellers e uma agenda
cultural intensa é essencial nas novas bibliotecas. "Tem que ter novidade
todo dia e aproveitar as ondas", diz ela.
Isso inclui promover os livros da série Crepúsculo, por
exemplo, "sem fazer juízo de valor" sobre a qualidade da obra.
"Aos poucos, a qualificação desse leitor vai acontecendo."
Na opinião de Antonio Miranda, professor da Universidade de
Brasília e consultor na criação de bibliotecas, o futuro reserva três tipos de
modelos para as bibliotecas: a patrimonial, com acervo sobretudo histórico e
clássico; a híbrida, que mescla o acervo antigo ao de novas mídias; e a sem livros
- totalmente digitalizada e focada, por exemplo, no ensino à distância.
EUA
Nos EUA, tem aumentado o número de bibliotecas que oferecem
mais best-sellers e criam ambientes semelhantes ao de livrarias, com cafés,
vending machines, aluguel de salas para reuniões e espaços que não exigem
silêncio dos visitantes.
Reportagem do New York Times relata que muitas bibliotecas
estão preenchendo o vazio deixado pelo fechamento de livrarias no país.
Apesar disso, trata-se de um momento de crise para o setor.
Relatório da Associação de Bibliotecas da América (ALA, na sigla em inglês)
cita cortes "draconianos" nas verbas estatais para as bibliotecas e
disputas com editoras envolvendo o empréstimo de e-books.
Sem dinheiro, a Filadélfia, por exemplo, suspendeu uma grande reforma que
planejava para sua biblioteca pública e quer buscar apoio privado, bem como
cobrar usuários pela oferta de "serviços premium".
Mas seu plano contempla também as novas tendências
bibliotecárias: aumentar a presença virtual, adaptar seu espaço a novas
demandas e engajar visitantes com projetos de alfabetização e empreendedorismo.
"A biblioteca do futuro pode ser um centro de criatividade,
para a criação de aplicativos virtuais e promoção de mudanças na
comunidade", afirma à BBC Brasil Maureen Sullivan, presidente da ALA.
"O novo conceito é o de ser um espaço de produção de
conhecimento e cultura fora do ambiente acadêmico", opina Vera Saboya,
superintendente de leitura do Estado do Rio, responsável pela biblioteca de
Manguinhos.